quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Paradoxos


Tudo é diferente, tudo é igual.

Matar alguém, matar a si mesmo.
Morrer por amor, morrer de dor.
Viver sem motivo, viver feliz.
Chorar de angústia, chorar de felicidade.
Escrever sem dizer, dizer sem escrever.
Comer por fome, comer por gula.
Brigar por razão, brigar sem razão.
Lutar pelos direitos, não lutar.
Cantar com voz, cantar sem voz.
Amar, não amar.

Em tudo há uma dupla visão.
Da dupla visão nascem as controvérsias.
Nas controvérsias há sempre razão.
Da razão nascem os conflitos.
Nos conflitos há sempre contradições.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Valsa


Ninguém pode imaginar o quão é aflitivo o passar do tempo, o contar das horas, minutos, segundos, para mim. Olho para o relógio e percebo que meu tempo está acabando a cada minuto que passa; imagino o quanto minha vida está reduzida a cada momento. Quando começo a refletir sobre o que tenho feito durante todos estes anos de minha vida, minha angústia aumenta ainda mais; nunca fiz algo importante - talvez seja isso que realmente queira para mim.
Os dias apenas passam, passam; continuo aqui, parada. Quanto mais permaneço inerte, mais me acalmo, ao mesmo tempo em que mais me retardo e aflito; e isso porque quando não faço algo, parece que os ponteiros do relógio demoram mais a se mover; mas também percebo que perco meu tempo - essa indefinível borboleta que sempre voa para longe do meu alcance, que bate as asas num ritmo "valsado", que até parece um compasso binário, que até parece as batidas do meu coração.
Tempo, tempo... tempo, tempo.
Tic, tac... tic, tac.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Carta para Amélie Poulain


Como me encantaria ter prazeres doces, puros e incomuns - quando deveriam ser corriqueiros - como os seus. Na verdade, é como diz Werther: "...gostaria de ser um besourinho para encontrar neste oceano de perfumes a fonte de todo o meu alimento."
Como gostaria de ter uma casa tão colorida quanto a sua; talvez em função da falta de cor que tenho por dentro.
Como gostaria de ter um certo Sr. Dufayel para me aconselhar e me fazer descobrir que não tenho ossos de vidro; assim perderia todo o medo e me jogaria de vez desse penhasco, que tem lá embaixo essa coisa que chamam de vida. Por enquanto estou aqui em cima, minha cara. Longe de todos, de tudo.
Como gostaria de ter o meu próprio Nino, e que ele me fizesse andar de moto pelas ruas de Paris e me falasse lindas palavras em francês ao pé do ouvido. Se bem que essa última parte é querer demais: bastava ser meu como ele só era seu, amar-me como só ele te amava e soubesse me deixar feliz como só ele sabia te alegrar. Ma petit, como sou sozinha, não é? Por favor, não tenha pena.
Como gostaria de encontrar um objeto tão simples e velho, mas que me desse algum motivo para continuar a vida, que me desse um objetivo, uma razão. Perspectiva.
Agora, não fique brava comigo, mas como gostaria de parar de ter todos aqueles pensamentos de inferioridade que você tinha. E parar com toda aquela imaginação fértil também. E também com todo aquele modo tímido de dizer as palavras e de renunciar a vida.
Como gostaria de ter sido alguém no mundo como você foi e ainda é, de ter significado tanto quanto eu sei que você significa para esse milhar de garotas esquisitas, como eu - e como você - que se comoveram e se identificaram tanto com a sua história.
Ah, droga. Mas, admito: acima de tudo, talvez o que eu mais queira é ser justamente apenas o personagem de um filme de grandes sutileza, doçura, trilha sonora e fotografia como o seu; assim eu não existiria. Perdoe-me por palavras tão depressivas. Mas é que existir dói demais e é complicado demais; e viver consegue ser bem pior, justamente por isso.
Não peço que me entenda. Apenas me aceite.
Se não quiser ser minha amiga, compreenderei.

Tenha uma doce vida,
Bianca.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Cotidiano


Dias são como perdas:
propostas indecentes,
vem e vão sem remorso
e não olham para trás.

Passam, assim, despercebidos
e muitas vezes não fazem
sentido; ganham a vida
assim, por ganhar.

Nos fazem deprimentes,
pois nos tornam descrentes
daquilo em que acreditar.

Dias passam, inexistem
e, assim, como um poeta
sem palavras, vão deixando de brilhar.

domingo, 11 de outubro de 2009

Doce melancolia de uma tarde de domingo


Admito que não quero mais fazer nada:
gostaria de viver minha vida como se esta
toda fosse uma alvorada que não tivesse fim.

E queria seguir meus próprios passos, montar
meus calendários sem temer alguma data, morar
numa casa cheia de essência e poesia por si própria.

Também não nego que gostaria de uma mão que
afagasse meus cabelos quando estivesse triste, de
um ombro para poder chorar minhas lamúrias.

E queria pensar sobre nada. E queria flutuar por
sobre o universo, leve como uma brisa. E queria
viajar para muito longe, onde o vento me levasse.

Ah, doce melancolia de uma tarde de domingo,
tudo me diz que nada foi feito para ser assim. Não
foi feito o mundo pra mim, nem mim pro mundo.

sábado, 10 de outubro de 2009

Eu


Tenho medo do que me fez ficar assim
Apavoro-me quando penso que me perdi de mim.

Acostumei-me a imaginar que não consigo
ao mesmo tempo em que viciei-me no impossível.

Fiz de tudo para não chegar, de tudo para negar
aquilo que mata-me aos poucos. Mas cheguei; afirmei.

Esqueci do modo através do qual naufraguei;
e, se recordasse, suportaria?

Não sei de muita coisa... acabo escrevendo muito
mais do que sei.

Deve ser porque as páginas da minha vida
estão tão vazias, sem cor.

Ai, meu Deus, que dor!

O escafandro e a borboleta?



Hoje eu tô meio assim: sem saber o porquê do começo da vida ou por que, quando começa, sempre tem um fim...
Hoje eu já cansei de pensar sobre tempos passados, ou de gastar lágrimas e horas com pensamentos gastos, embora estes sempre persigam a mim...
Hoje - e não somente - fui e sempre serei aquela de palavras e boca miúdas, sílabas curtas, gestos pequenos, imersa na própria ilusão, na desgastada solidão e no medo de viver...
Hoje eu acordei respirando música - ah! como gostaria que todos os meus dias fossem assim - sei lá porque; talvez porque não tenha obrigação alguma e nem o dever de fazer todas aquelas coisas ou de ver todas aquelas mesmas pessoas que não sei bem se gostam de mim...
Agora estou com ânsia de chorar; talvez pela reflexão feita através dessas linhas; talvez por ter percebido que sou nada mais, nada menos que uma alma amargurada neste caminho solitário que percorro desde que nasci.
Eu sei que sofro, e sinto culpa porque sofro. E lá vem outra sofreguidão: também sofro pela culpa...
Pode até parecer que estou plagiando as palavras de Jean-Do, mas não há coisa melhor para me descrever neste momento que a síntese de palavras o escafandro e a borboleta; também não há música que melhor se encaixe nesse momento que o tema do escafandro e a borboleta.
Bauby, você é uma infinita inspiração.