domingo, 22 de novembro de 2009

nada além das palavras...

Escrevo como quem sente o último suspiro de um sentimento exagerado. Tento transmitir de forma ardente e insaciável tudo aquilo que espasma dentro de um peito como o meu para não permitir que vá embora sem deixar alguma lembrança.
Escrevo para viver e me ver através de uma reunião de palavras ora reluzentes, ora embaçadas.
Depois do trabalho feito, quando algum dos meus muitos eus esbarra em mim, sinto saudade daquilo que escrevi por sentir, visto que não sinto mais...

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

O eu mais interior

Pareço ser inatingível porque sempre estou distante. Não me culpe se há algo insólito neste meu estranho infinito que vive para me distrair.
Há coisas em todos os cantos do meu ser que não me deixam em paz. Sou cheia de inconstâncias e olhares perdidos. Desejo não dividir meu tudo com os demais.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Das profundezas

Eu queria ter por um instante - e só por um momento - um punhal cravado em meu peito de insana insaciedade que me acalentasse nos invernos dos verões inatingíveis. E não para que o calor se tornasse mais próximo. Deve tornar-se parte de mim.
Queria que meus olhos mergulhassem trôpegos por caminhos desconhecidos de linhas curvas, turvas, tórridas, conhecidas, porém não memorizadas para melhor serem ressurgidas.
É óbvio que todo o percurso estaria gravado em minha mente como nenhuma coisa outra... mas é melhor fingir que não. Deve ser mais saboroso sentir o delirante coração palpitante como se fosse a primeira vez de todas as estações.
Imagino. Fico só por imaginar a essência e a gravidade do ar, a entoação de suas notas musicais e de seus cantos sem iguais.
Sinto.

domingo, 15 de novembro de 2009

Vulcões

Tudo é frio e gelado. O gume dum punhal
Não tem a lividez sinistra da montanha
Quando a noite a inunda dum manto sem igual
De neve branca e fria onde o luar se banha.

No entanto que fogo, que lavas, a montanha
Oculta no seu seio de lividez fatal!
Tudo é quente lá dentro…e que paixão tamanha
A fria neve envolve em seu vestido ideal!

No gelo da indiferença ocultam-se as paixões
Como no gelo frio do cume da montanha
Se oculta a lava quente do seio dos vulcões…

Assim quando eu te falo alegre, friamente,
Sem um tremor de voz, mal sabes tu que estranha
Paixão palpita e ruge em mim doida e fremente!

Florbela Espanca

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Efêmero

Lúcia possuía cabelos louros e longos que se distendiam pelas suas costas até a altura do quadril. Sua pele branca revelava o bronze dos dias ensolarados e quentes do verão. O corpo esguio, porém não muito magricela, com suas pernas compridas e seios fartos, tornava o sexo oposto não muito mais que poeira de rua.
E ela caminhava, de cabeça erguida e nariz muito além de empinado, pelos arredores da cidade, destilando o doce aroma de seus cabelos e o perigoso espírito juvenil de garota padronizada, de mulher distante.
Todos os dias, chegava em casa e se encaminhava direto para o espelho, onde permanecia durante um longo tempo – até horas, se não encontrasse nada melhor para fazer – observando a própria imagem, louvando o dom divino que Deus lhe dera e imaginando o que se passava na cabeça daqueles que a desejavam com tanto fervor que chegava a doer. E agradava a todos os gostos: desde os músicos enigmáticos aos solitários de plantão. E a embevecia os olhares pecaminosos e boquiabertos que a vislumbravam, a atenção unânime que recebia, o desprezo que se refletia nos olhos dos admiradores.
Um dia, Lúcia caminhava pela rua. Uma menina gorda e muito pálida chamou a sua atenção. Olhou-a fixamente, reparando no seu jeito de caminhar e de se vestir, se perguntando como Deus poderia aceitar mandar uma criatura daquelas, tão feia, tão gorda, de péssimo gosto, para o mundo. Pelo amor de Deus, pensava, se fosse ela preferiria morrer; nunca, nem ao menos, deve ter sentido o toque de uns lábios nos próprios lábios, e nem deve ter amigos.
A distração e o divertimento foram tantos, que Lúcia passou a encarar este ofício como um passatempo. Era só passar alguém que fugia de seus padrões, que dava início ao julgamento mental, preconceito. E era a mesma coisa todos os dias, e a cada dia um novo objeto: um mendigo imundo que permanecia deitado na calçada da esquina da rua que passava para ir ao colégio – perguntava-se como uma pessoa poderia estender-lhe a mão para entregá-lo alguma moeda, tendo como penitência o toque sujo do ser descriminado; um menino que sempre andava de cabeça baixa pelas ruas, solitário e parecendo ausente, lunático; uma pessoa ali, outra aqui.
Quando menos esperava e proporcionalmente ao crescimento do vício, tudo isso fora insuficiente: era preciso exteriorizar suas impressões. E como Lúcia magoou diverso tipo de gente. E como sua legião de seguidores adorava ouvir suas opiniões.
Numa tarde de verão, – a estação preferida da garota – no auge da popularidade e no frescor da época das delícias de adolescente, dava sua cotidiana volta pela cidade, quando um daqueles objetos de diversão chamou-lhe a atenção, e tanto, que Lúcia se distraiu, foi atropelada, e morreu. E nada restou. Nenhum resquício da beleza; muito menos um mau pensamento.
Como diz Vinícius de Morais: de repente, não mais que de repente...