quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Efêmero

Lúcia possuía cabelos louros e longos que se distendiam pelas suas costas até a altura do quadril. Sua pele branca revelava o bronze dos dias ensolarados e quentes do verão. O corpo esguio, porém não muito magricela, com suas pernas compridas e seios fartos, tornava o sexo oposto não muito mais que poeira de rua.
E ela caminhava, de cabeça erguida e nariz muito além de empinado, pelos arredores da cidade, destilando o doce aroma de seus cabelos e o perigoso espírito juvenil de garota padronizada, de mulher distante.
Todos os dias, chegava em casa e se encaminhava direto para o espelho, onde permanecia durante um longo tempo – até horas, se não encontrasse nada melhor para fazer – observando a própria imagem, louvando o dom divino que Deus lhe dera e imaginando o que se passava na cabeça daqueles que a desejavam com tanto fervor que chegava a doer. E agradava a todos os gostos: desde os músicos enigmáticos aos solitários de plantão. E a embevecia os olhares pecaminosos e boquiabertos que a vislumbravam, a atenção unânime que recebia, o desprezo que se refletia nos olhos dos admiradores.
Um dia, Lúcia caminhava pela rua. Uma menina gorda e muito pálida chamou a sua atenção. Olhou-a fixamente, reparando no seu jeito de caminhar e de se vestir, se perguntando como Deus poderia aceitar mandar uma criatura daquelas, tão feia, tão gorda, de péssimo gosto, para o mundo. Pelo amor de Deus, pensava, se fosse ela preferiria morrer; nunca, nem ao menos, deve ter sentido o toque de uns lábios nos próprios lábios, e nem deve ter amigos.
A distração e o divertimento foram tantos, que Lúcia passou a encarar este ofício como um passatempo. Era só passar alguém que fugia de seus padrões, que dava início ao julgamento mental, preconceito. E era a mesma coisa todos os dias, e a cada dia um novo objeto: um mendigo imundo que permanecia deitado na calçada da esquina da rua que passava para ir ao colégio – perguntava-se como uma pessoa poderia estender-lhe a mão para entregá-lo alguma moeda, tendo como penitência o toque sujo do ser descriminado; um menino que sempre andava de cabeça baixa pelas ruas, solitário e parecendo ausente, lunático; uma pessoa ali, outra aqui.
Quando menos esperava e proporcionalmente ao crescimento do vício, tudo isso fora insuficiente: era preciso exteriorizar suas impressões. E como Lúcia magoou diverso tipo de gente. E como sua legião de seguidores adorava ouvir suas opiniões.
Numa tarde de verão, – a estação preferida da garota – no auge da popularidade e no frescor da época das delícias de adolescente, dava sua cotidiana volta pela cidade, quando um daqueles objetos de diversão chamou-lhe a atenção, e tanto, que Lúcia se distraiu, foi atropelada, e morreu. E nada restou. Nenhum resquício da beleza; muito menos um mau pensamento.
Como diz Vinícius de Morais: de repente, não mais que de repente...

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