sábado, 19 de fevereiro de 2011

Te amo e não sei seu nome

Quando vi Maria Alice pela primeira vez, ela estava sentada num canto da faculdade. Quieta, com as pernas juntas, apoiando os cotovelos nos joelhos. Ela olhava para baixo, quem sabe para os próprios pés ou para lugar algum. Seu olhar era fixo e sonhador, como se estivesse absorta num mundo interior muito mais interessante ou pelo menos muito mais seguro.
Estava só. Das suas orelhas pendiam fones daqueles que são encaixados no ouvido. Ela abrigava em uma das mãos alguma coisa que eu não podia ver. E suas mãos eram tão finas, seus dedos eram longos e magros, pareciam ser tão macios. Por um momento, desejei senti-los acariciar meus cabelos, meu rosto.
Eu nem ao menos conseguia enxergar suas feições com exatidão. A garota insistia em olhar para baixo, o que me instigava a olhar cada vez mais para ela na tentativa de desvendá-la. Ela me pareceu triste, linda, doce, mesmo permanecendo naquela posição esquisita, da qual não se podia tirar proveito de sua suposta beleza.
Estava sentado num banco. Como Maria Alice, também estava só e mantinha meu olhar fixo. Eu tinha um caderno nas mãos, no qual costumava rascunhar alguns pensamentos, escritos, coisas aleatórias, e um lápis no bolso da calça. Estava ali justamente para procurar alguma inspiração, para tentar escrever algo. Encontrei uma pessoa interessante, mas não consegui escrever uma linha sequer sobre ela. Estava hipnotizado por algum motivo que não conseguia entender. Talvez aquela menina não fosse como todas as outras que também marcavam presença no lugar, ou talvez eu só estivesse ficando louco e desenvolvendo algum tipo de obsessão imediata por uma desconhecida.
Já fazia alguns minutos que estava ali quando Maria Alice levantou o olhar. Aquilo foi um marco na minha vida. Nunca havia visto antes uma mulher com tão singular beleza, com um olhar tão singelo e penetrante e ao mesmo tempo tão acanhado e melancólico.  Seus olhos rapidamente encontraram os meus e me senti culpado por estar a encarando insistentemente. Resolvi desviar meu olhar, mas ela desviou o dela antes de mim. Levantei-me e decidi ir embora.
Pensei naquela garota dias e noites. Voltei aquele lugar várias vezes para ver se a encontrava novamente, mas de nada adiantou. Sua imagem permanecia nítida em minha mente e eu podia até imaginar o seu perfume. Maria Alice havia mexido comigo de uma forma intensa e eu nem sabia o porquê, muito menos o seu nome.
Algum tempo depois a encontrei num dos corredores da faculdade e logo a reconheci. Ela estava novamente sozinha. Maria Alice era uma solitária e eu pude notar esse traço de sua personalidade assim que a vi. Não é preciso conhecer a fundo alguém para saber essas coisas. Um solitário sempre reconhece outro solitário. É simples assim. Nós estávamos caminhando em direções contrárias. Uma leve brisa deixou seus cabelos esvoaçantes assim que ela passou por mim e eu pude finalmente sentir seu perfume.
Não pude evitar e acabei olhando para trás na intenção de ver aonde a menina ia. Ela seguiu por um caminho que dava na praça da faculdade, lugar onde a conheci. Maria Alice sentou-se no mesmo lugar de antes e tornou a escutar seu mp3 player. Decidi sentar-me a alguns metros do lado dela.
Assim que me aproximei, ela virou para o outro lado. Pareceu não estar nem um pouco interessada em mim e, ao contrário do que se possa imaginar, meu interesse por ela, com isso, só cresceu. Ela parecia tão altiva, distante, antipática, que me comoveu. Identifiquei-me com aquela figura tão profundamente trancada dentro de si mesma.
Eu só tinha coragem de admirá-la. Por vezes, tentei me aproximar sem proferir palavra alguma pois sabia que tal atitude surtiria algum efeito em nós dois, mesmo que o tal não fosse verbal. Aquilo era algo intimista, algo maior do que as palavras. Aquilo era algo espiritual, químico, físico, abstrato. Eu sentia que ela sentia, mas não sabia se ela sentia que eu sentia.
Eu nunca dirigi-lhe a palavra. Pelo contrário... dirigi-lhe coisas muito mais interessantes , intensas e duradouras. Talvez Maria Alice seja minha alma gêmea, a mulher da minha vida.
Vez ou outra acordo assombrado pelos olhos dela e inebriado por seu perfume. Ela aparece nos meus sonhos constantemente. Maria Alice já estava nos meus sonhos antes mesmo de eu conhecê-la e nem sabe disso.
Maria Alice, Maria Alice... eu queria realmente que ela se chamasse Maria Alice, mas não sei seu nome. Só queria poder chamá-la de alguma coisa e essa coisa se tornou Maria Alice.

P.S.: E eu sei que nos encontraremos num futuro muito próximo.

Um comentário:

Cristiano Alves disse...

Lindo esse conto, Bianca. Mais uma vez, me identifiquei com o protagonista. É como você diz no conto: "um solitário reconhece outro solitário".

Beijos.