terça-feira, 23 de março de 2010

Caminho para trás. Meus passos são retrógrados. Minha vida é uma ré.
Nunca avancei o sinal. Estive sempre em velocidade baixa. Se atropelei alguém, um dia, foi com a fúria dos meus sentimentos.
Não entendo! Por que ninguém me vê? Estou dirigindo tão lentamente...
Meu carro é defeituoso, ou talvez seja apenas diferente? Será que está coberto por algum tipo de magia? 
Nele só existe eu, e olha, é suficiente. Mal consigo colocar todos os meus sentimentos aqui acomodados! Alguns quase saem. Quanto perigo... poderiam ser atropelados. Poderiam morrer. Se morressem, eu estaria fadada ao fim.
Mas a verdade é que não me importaria em ter de apertar um pouco as coisas aqui dentro se fosse para acomodar alguém. Se fosse preciso, daria o meu lugar, meu único abrigo! 

sábado, 20 de março de 2010

Violino

Na primeira vez que Lisa passou diante daquela loja, seus olhos brilharam. Seu coração ficou espantado. Ficou boquiaberta!
Como poderia existir no mundo inteiro algo semelhante? Por que, logo ela, foi encontrá-lo?
Lisa nunca havia visto ou imaginado tamanha beleza e graciosidade. Na época, contava sete anos; estava no auge da infância. Mas aquele encontro extremamente casual e planejado pelas constelações e outras dimensões tirou-a do eixo, moveu-a. Mais que isso: comoveu-a.
Os dias seguintes pareceram infernais! Ela queria tanto, mas queria tanto vê-lo de novo. A mãe relutava em levá-la ao local. “Menina, deixe-me em paz! Mas quanta insistência!” era o que sempre respondia aos pedidos seguidos e constantes da filha.
A criança estava com o coração partido em milhares de pedaços reluzentes. Como poderia sua mãe ser tão cruel? Na sua inocência, mal sabia da existência de tamanha maldade! Era muito pedir aquilo? Ela só queria vislumbrar perante seus olhos aquela linda madeira revestida por verniz, que brilhava ao toque gentil do sol; que tinha um formato engraçado, nunca antes visto por ela, mas que era lindo!
Após uma semana de desejos insaciados, a mãe finalmente lhe perguntou: “Mas o que é tão interessante naquela loja, menina?”, ao que a filha prontamente respondeu: “Mas que pergunta, mamãe! Você não viu? É uma pena. Não sei explicar! Se me levar posso mostrá-la!”. E foi o que sucedeu. A mãe pegou a filha pelo braço e guiou seus passos até chegar ao local.
A garotinha segurou com a maior força que podia a mão direita dela. Levou-a, sentindo o júbilo crescer dentro de si mesma, ao encontro daquele objeto inesquecível e incrivelmente belo.
- Minha filha... – a mãe mal conteve as lágrimas dentro dos olhos.
- Não é lindo?
- É perfeito, minha menina! – respondeu, emocionada.
- Compra pra mim? É o que mais quero no mundo!
- Eu não posso... não temos dinheiro para isso. – disse, baixando a voz no final da frase.
- É só a gente juntar!
A mãe percebia, penosa, que levaria uma vida inteira até conseguir a quantia necessária para adquirir aquele violino. Entretanto, não quis destruir os sonhos daquele ser tão pequenino, que carregava metade de seu código genético.
- Sim, sim, é possível. Mas agora vamos, se não ficará muito tarde!
Os dias e as noites passaram a ser longos demais na percepção da garota. A toda chance que tinha de perguntar para mãe se o montante de dinheiro já era suficiente, não o fazia diferente.
Sempre que encontrava moedas largadas pelos cantos as colocava no cofrinho com o qual a mãe a havia presenteado. A progenitora, por sua vez, trabalhava arduamente para realizar o sonho da filha; o sonho que tanto a deixara emocionada e orgulhosa. Oras! Sua pequena desejava aprender música! Não era ela uma mãe de sorte?
A menina passava as noites em claro ouvindo seu vizinho mal-humorado tocar as melodias mais mágicas. Imaginava-se perante uma plateia enorme interpretando as mesmas canções!
Um belo dia, durante sua caminhada matinal, ajudando a mãe a entregar as roupas lavadas nas casas dos clientes, encontrou o vizinho sentado num banco, com o violino no colo. O homem era barbudo e descabelado; parecia miserável e estava com o mesmo semblante austero de sempre.
A garota arregalou tanto os olhos, que chamou a atenção do velho.
- O que é? Nunca viu gente?
- Desculpe-me, senhor, não queríamos incomodá-lo. – disse a mãe.
- Que violino lindo o senhor tem! Estou juntando dinheiro para comprar um!
- Então a garotinha gosta de música?
- Sim, ela gosta. Ficou encantada com o violino que está na vitrine daquela loja da Rua Celeste. Mas, sabe como é, muito caro!
- É um roubo! Esse país não incentiva os jovens músicos.
Os sonhos da garota cresciam a cada dia. A cada mês.
Já haviam se passado três anos.
No seu décimo aniversário, ganhou uma boneca sem roupas e de rosto riscado. A mãe encontrou-a no lixo de um de seus clientes e resolveu dá-la para a filha.
- Obrigada, mãe.
- Sei que não era isso que você queria... sei que tenho te decepcionado desde seu último e único pedido, mas quero que saiba que ainda estou guardando o dinheiro para que, um dia, possamos comprar seu violino tão desejado.
- Obrigada, mãe. E você não tem me decepcionado! – respondera, sorrindo.
Foi a partir desse dia que alguns pensamentos passaram a ocupar sua mente. A garota começou a imaginar realmente como seria ter o instrumento perto dela, como seria pegá-lo todas as manhãs. A verdade é que o medo invadiu sua alma.
Depois de um tempo relativamente grande, no qual decorreram-se os últimos anos da infância e iniciou-se sua pré-adolescência, passou a ter uma visão mais concreta e menos lunática a respeito da vida que levava e dos sonhos que possuía. Passou a temer a realização de seus desejos.
A menina ficava aterrorizada sempre que se imaginava ao lado de seu objeto de maior desejo. Em seus pensamentos, ficava tão feliz com o acontecimento, que mal poderia suportar a ideia de perder aquilo que conseguiu. Era melhor ter um sonho bonito, inalcançável e de finitude determinada pelo sonhador ou uma realidade linda fadada ao fim?
A vida ao redor sempre demonstrava uma falta de sensibilidade tremenda. Ela percebia. Sabia que, ao mesmo tempo em que o mundo nos dá algo maravilhoso, tira aquilo que é essencial à existência de cada um.
Numa bela manhã, a mãe a acordou com um sorriso no rosto.
- Olha isso, filha! Olha!
- O que é, mãe? Deixe-me dormir...
- É um envelope! Estava debaixo de nossa porta quando acordei!
- O que tem aí dentro?
- É a quantia exata que preciamos para comprar seu violino.
A garota saltou da cama. Seu coração disparou.
- O quê?!
- É, isso mesmo! Finalmente! – disse, abraçando-a.
- Mas de quem é esse dinheiro? O que é isso? Uma brincadeira de mau gosto?
- Não sei de quem é. Isso não importa! Alguém nos deu esse presente maravilhoso!
Lisa pegou o envelope das mãos dela. Abriu-o e percebeu que havia instruções. O bilhete dizia que o dinheiro fosse utilizado na compra do instrumento.
- Você não está feliz? Não era isso que queria?
- Não sei se devo, mãe.
A mãe foi trabalhar como todos os dias. Quando chegou à porta de casa, percebeu uma movimentação estranha no cortiço. Foi ver o que era.
- Tomara que descanse em paz! Ele já aparentava mesmo estar mais pra outra que pra essa.
- O que aconteceu?
- Não soube? O velho violinista morreu!
- Morreu? Que coisa horrível!
- É. Parecia que estava num péssimo estado mesmo. Uns garotos foram checar se havia algo de valor na casa dele e nada! Só aquele violino empoeirado. Queriam roubar alguma coisa, mas se desapontaram! Nem dinheiro tinha!
- É uma pena que ele tenha morrido desse jeito.
A menina agora passava aflita, todos os dias, em frente à loja musical. Olhava para o violino, o seu violino, sem saber se o queria. Desejava-o, mas não sabia se tinha vontade de tê-lo. Oferecia-lhe seu amor, mas não sabia se seria capaz de concedê-lo.

domingo, 14 de março de 2010

Não acredito no amor,
Nem nunca, verdadeiramente, vou acreditar.
Mas o pior de tudo é que sei:
Um dia chegará alguém que vai me mudar
Pra depois me largar.
Não acredito no amor.
Disso tenho certeza...
Mas o pior de tudo é que sei:
Gente como eu, desacreditada, é
a coisa mais deprimente quando
fica apaixonada...

quinta-feira, 4 de março de 2010

Olho ao meu redor e não vejo nada. As coisas me olham de volta e, igualmente, não vêem nada. Sei bem que há muito entre o nada e o tudo, porém não consigo enxergar.
Sinto mais que tudo, embora esse tudo seja invisível perante os olhos de outrem. Sou invisível, mas sei que há gente que me vê. Gente que tem capacidade de sentir com a alma e não com os olhos. Gente que tem capacidade de ver pelo avesso...

quarta-feira, 3 de março de 2010

A noite é fria. A chuva cai lá fora. Estou sangrando... e meu sangue tem a cor do que me falta. Meu coração está pesado... é o peso do mundo inteiro sobre mim. Minha alma está sombria, e as sombras são as lembranças daquilo que nunca vivi. Já não possuo lágrimas, mas sei que se as provasse teriam o sabor amargo da minha ausência. A alma é tênue e cinza; lembra uma tarde de inverno em que as ruas estão vazias e as pessoas não saem por causa do frio ou da chuva. E meu olhar está distante, pousado sobre o lugar-ideal que sempre será meu refúgio, meu abrigo, minha fuga dos desmoronamentos e destruições que rondam minha morada.

terça-feira, 2 de março de 2010

Soneto do universo

As horas passam...
O tempo vai se esvaindo...
E eu me redimindo por mim...

Eu, aqui, sentada...
Como quem não quer nada...
E a vida lá esperando por mim...

O tempo - borboleta de asas
frenéticas e cansadas que
nunca desistem de seu rumo -
já cá veio me alertar:

O mundo não te espera,
muito menos exaspera...
É, assim, sutil. Cabe a você
próprio se domar...