sábado, 20 de março de 2010

Violino

Na primeira vez que Lisa passou diante daquela loja, seus olhos brilharam. Seu coração ficou espantado. Ficou boquiaberta!
Como poderia existir no mundo inteiro algo semelhante? Por que, logo ela, foi encontrá-lo?
Lisa nunca havia visto ou imaginado tamanha beleza e graciosidade. Na época, contava sete anos; estava no auge da infância. Mas aquele encontro extremamente casual e planejado pelas constelações e outras dimensões tirou-a do eixo, moveu-a. Mais que isso: comoveu-a.
Os dias seguintes pareceram infernais! Ela queria tanto, mas queria tanto vê-lo de novo. A mãe relutava em levá-la ao local. “Menina, deixe-me em paz! Mas quanta insistência!” era o que sempre respondia aos pedidos seguidos e constantes da filha.
A criança estava com o coração partido em milhares de pedaços reluzentes. Como poderia sua mãe ser tão cruel? Na sua inocência, mal sabia da existência de tamanha maldade! Era muito pedir aquilo? Ela só queria vislumbrar perante seus olhos aquela linda madeira revestida por verniz, que brilhava ao toque gentil do sol; que tinha um formato engraçado, nunca antes visto por ela, mas que era lindo!
Após uma semana de desejos insaciados, a mãe finalmente lhe perguntou: “Mas o que é tão interessante naquela loja, menina?”, ao que a filha prontamente respondeu: “Mas que pergunta, mamãe! Você não viu? É uma pena. Não sei explicar! Se me levar posso mostrá-la!”. E foi o que sucedeu. A mãe pegou a filha pelo braço e guiou seus passos até chegar ao local.
A garotinha segurou com a maior força que podia a mão direita dela. Levou-a, sentindo o júbilo crescer dentro de si mesma, ao encontro daquele objeto inesquecível e incrivelmente belo.
- Minha filha... – a mãe mal conteve as lágrimas dentro dos olhos.
- Não é lindo?
- É perfeito, minha menina! – respondeu, emocionada.
- Compra pra mim? É o que mais quero no mundo!
- Eu não posso... não temos dinheiro para isso. – disse, baixando a voz no final da frase.
- É só a gente juntar!
A mãe percebia, penosa, que levaria uma vida inteira até conseguir a quantia necessária para adquirir aquele violino. Entretanto, não quis destruir os sonhos daquele ser tão pequenino, que carregava metade de seu código genético.
- Sim, sim, é possível. Mas agora vamos, se não ficará muito tarde!
Os dias e as noites passaram a ser longos demais na percepção da garota. A toda chance que tinha de perguntar para mãe se o montante de dinheiro já era suficiente, não o fazia diferente.
Sempre que encontrava moedas largadas pelos cantos as colocava no cofrinho com o qual a mãe a havia presenteado. A progenitora, por sua vez, trabalhava arduamente para realizar o sonho da filha; o sonho que tanto a deixara emocionada e orgulhosa. Oras! Sua pequena desejava aprender música! Não era ela uma mãe de sorte?
A menina passava as noites em claro ouvindo seu vizinho mal-humorado tocar as melodias mais mágicas. Imaginava-se perante uma plateia enorme interpretando as mesmas canções!
Um belo dia, durante sua caminhada matinal, ajudando a mãe a entregar as roupas lavadas nas casas dos clientes, encontrou o vizinho sentado num banco, com o violino no colo. O homem era barbudo e descabelado; parecia miserável e estava com o mesmo semblante austero de sempre.
A garota arregalou tanto os olhos, que chamou a atenção do velho.
- O que é? Nunca viu gente?
- Desculpe-me, senhor, não queríamos incomodá-lo. – disse a mãe.
- Que violino lindo o senhor tem! Estou juntando dinheiro para comprar um!
- Então a garotinha gosta de música?
- Sim, ela gosta. Ficou encantada com o violino que está na vitrine daquela loja da Rua Celeste. Mas, sabe como é, muito caro!
- É um roubo! Esse país não incentiva os jovens músicos.
Os sonhos da garota cresciam a cada dia. A cada mês.
Já haviam se passado três anos.
No seu décimo aniversário, ganhou uma boneca sem roupas e de rosto riscado. A mãe encontrou-a no lixo de um de seus clientes e resolveu dá-la para a filha.
- Obrigada, mãe.
- Sei que não era isso que você queria... sei que tenho te decepcionado desde seu último e único pedido, mas quero que saiba que ainda estou guardando o dinheiro para que, um dia, possamos comprar seu violino tão desejado.
- Obrigada, mãe. E você não tem me decepcionado! – respondera, sorrindo.
Foi a partir desse dia que alguns pensamentos passaram a ocupar sua mente. A garota começou a imaginar realmente como seria ter o instrumento perto dela, como seria pegá-lo todas as manhãs. A verdade é que o medo invadiu sua alma.
Depois de um tempo relativamente grande, no qual decorreram-se os últimos anos da infância e iniciou-se sua pré-adolescência, passou a ter uma visão mais concreta e menos lunática a respeito da vida que levava e dos sonhos que possuía. Passou a temer a realização de seus desejos.
A menina ficava aterrorizada sempre que se imaginava ao lado de seu objeto de maior desejo. Em seus pensamentos, ficava tão feliz com o acontecimento, que mal poderia suportar a ideia de perder aquilo que conseguiu. Era melhor ter um sonho bonito, inalcançável e de finitude determinada pelo sonhador ou uma realidade linda fadada ao fim?
A vida ao redor sempre demonstrava uma falta de sensibilidade tremenda. Ela percebia. Sabia que, ao mesmo tempo em que o mundo nos dá algo maravilhoso, tira aquilo que é essencial à existência de cada um.
Numa bela manhã, a mãe a acordou com um sorriso no rosto.
- Olha isso, filha! Olha!
- O que é, mãe? Deixe-me dormir...
- É um envelope! Estava debaixo de nossa porta quando acordei!
- O que tem aí dentro?
- É a quantia exata que preciamos para comprar seu violino.
A garota saltou da cama. Seu coração disparou.
- O quê?!
- É, isso mesmo! Finalmente! – disse, abraçando-a.
- Mas de quem é esse dinheiro? O que é isso? Uma brincadeira de mau gosto?
- Não sei de quem é. Isso não importa! Alguém nos deu esse presente maravilhoso!
Lisa pegou o envelope das mãos dela. Abriu-o e percebeu que havia instruções. O bilhete dizia que o dinheiro fosse utilizado na compra do instrumento.
- Você não está feliz? Não era isso que queria?
- Não sei se devo, mãe.
A mãe foi trabalhar como todos os dias. Quando chegou à porta de casa, percebeu uma movimentação estranha no cortiço. Foi ver o que era.
- Tomara que descanse em paz! Ele já aparentava mesmo estar mais pra outra que pra essa.
- O que aconteceu?
- Não soube? O velho violinista morreu!
- Morreu? Que coisa horrível!
- É. Parecia que estava num péssimo estado mesmo. Uns garotos foram checar se havia algo de valor na casa dele e nada! Só aquele violino empoeirado. Queriam roubar alguma coisa, mas se desapontaram! Nem dinheiro tinha!
- É uma pena que ele tenha morrido desse jeito.
A menina agora passava aflita, todos os dias, em frente à loja musical. Olhava para o violino, o seu violino, sem saber se o queria. Desejava-o, mas não sabia se tinha vontade de tê-lo. Oferecia-lhe seu amor, mas não sabia se seria capaz de concedê-lo.

3 comentários:

Anônimo disse...

Um conto impressionante, a escrita quando bem empreendida é o instrumento mais acentuado de um literato!

Gaby Nunes :] disse...

Beem grandinho o conto né?eioasioieoei'
Mas é lindo,;D

:***

Filipe G. disse...

Você escreve muito bem!